Canalhice

na fila do ingresso do estádio:
– dois ingressos, por favor!
– quantos anos tem seu filho, senhor?
– 6. ele não paga.
– mas, pai, eu já tenho 8!
– cala a boca, moleque! – dando-lhe um safanão no pescoço.
e ali, no seio familiar, a criança aprende que não precisa falar a verdade quando pode mentir. e assim caminha a sociedade.

Embalagem

À primeira vista,
meus olhos me enganam.
E a gana me encanta,
canta o querer.

falível caráter,
o que conquistei.
Um quisto querer,
um misto entreter.

Um ser possuível,
sensível película.
Pelúcia, a pele.
Grandes lábios falar.

Hesito intentar,
tento falhar.
Falando, resisto,
insisto, procrio.

E à superficie,
um gemer contemplar.
Conteúdo falso,
pacote lacrar.

A massa

Crua.
Vazia.
Cria
Crua.

Amassa.
Molda.
A massa,
ao molde.

A massa.
Vazia.
A massa,
a cria.

Amassa
a massa
Na fôrma,
na moda.

E assa
a massa,
a audiência,
a claque.

popular morto,
a massa,
cadáver,
de grátis.

novela das oito,
a massa eterna,
no molde,
na terra.

a massa,
acéfala.
popular,
morto.

Tédio

Palavra grande.
Escreve pequena.
É muita tinta
pra pouca pena.

É o sentimento
de preferir
a pré-inércia,
desexistir.

É estar correndo,
É se deitar.
É, acuado,
se acovardar.

É a prova crua
do já-prazer.
É o mal-querer.
É a pele nua.

É o já ter feito
querer fazer,
É o intentar
e só escrever.

Berenice

Berenice,
mar de benesses!
escuta minha prece.
eu quero falar.

desde quando
tu fostes, fagueira,
minha alma tateia
em querer saciar.

és uma vagabunda!
bandida oriunda
da fome de amar.

eras tu meu limite.
vencimento inexiste
em de ti me lembrar.

A professora de espanhol

a professora de espanhol
me ensina a hablar.
com a língua tatear,
com a boca a me molhar.

a professora de espanhol
é amiga do meu pai.
é a cria da minha mãe.
é irmã da meia-irmã.

a professora de espanhol
me sussura ao ouvido:
“quero-te, chiquito!”
fala por falar.

a professora de espanhol
vai um dia se olvidar
de seus tempos de outrora,
quando, por hora, sabia hablar.